De capitais e cidades do interior, cada canto ganha sua própria sonoridade, e se transforma num grande palco de emoções, músicas e danças. Na edição especial da Revista Mais Nordeste, o leitor foi convidado a descobrir como a maior festa nordestina carrega a memória afetiva de um povo acolhedor, que celebra identidade, fé e tradição — tudo ao som do forró e no ronco da sanfona.
Assim como o mandacaru — que, como cantava Luiz Gonzaga, fulora na seca para avisar que a chuva chega ao sertão — o fole se abre nos arraiais para anunciar o ciclo junino e reunir o povo em alegria. É no como desse som que pulsa o coração nordestino. Mais do que uma semana, as celebrações agora se estendem por mais de 30 dias, e a música toma conta de praças, ruas e bairros.
No sertão, nos vilarejos, o pé de serra ainda ressoa com autenticidade: sanfona, zabumba, triângulo e pandeiro ecoam histórias de ancestrais — manifestações de identidade coletiva, continuidade cultural, espiritualidade e afeto. Uma herança viva, ada de geração em geração: uma linhagem simbólica de nordestinos — vaqueiros, agricultores, artesãos, mestres de folguedos — cujas vidas, lutas e alegrias foram embaladas por esses sons.
Nas grandes cidades, além de uma vasta programação com talentos locais e nacionais, a festa também abriga versões modernizadas — o eletrônico e o piseiro — sem jamais abandonar o como nordestino. Tantas variações já inspiraram debates e críticas acalorados ao longo dos anos, mas o palco cresceu para todos: do axé ao sertanejo, do brega ao arrocha, do funk ao samba — mantendo, é claro, a trindade sonora do forró raiz que embala cada noite nas palhoças. De forma democrática, espectadores de qualquer gosto encontram seu ritmo e seu espaço. No fim das contas, é essa diversidade que simboliza a força cultural do São João nos centros urbanos: a tradição se renova e se completa, acolhendo sons novos sem perder suas raízes.
Gravatá: Arraial da Felicidade promete ser uma das maiores e mais autênticas festas juninas de Pernambuco
Localizada a apenas 86 km do Recife, Gravatá combina charme, clima ameno e um cenário de montanha que lhe rendeu o apelido carinhoso de “Suíça Brasileira”. Com altitude de 447 metros, oferece temperaturas frescas durante o inverno, variando entre 15° e 18°, podendo chegar a surpreendentes 10°. Em junho, quando o forró toma conta do Agreste pernambucano, o município vira destino certo — e estratégico — para quem também pretende curtir o São João de Caruaru, a apenas 40 km dali. Não tão grandiosa em tamanho quanto a vizinha, Gravatá compensa com autenticidade, aconchego e uma programação junina que cresce a cada ano, tanto em público quanto em atrações.
Por lá, a festividade teve início em 17 de maio e segue até 29 de junho. A abertura ocorreu com uma edição especial do projeto Tardes no Polo, trazendo muito arrasta-pé e culinária típica ao tradicional Polo Moveleiro, cartão-postal da cidade. Segundo o prefeito Joselito Gomes, entre as novidades deste ano está o Arraiá da Rua do Norte, que vem despontando como novo polo gastronômico com bares e restaurantes.
Mas o que faz do São João de Gravatá uma festa tão especial? Por trás do espetáculo, há uma engrenagem que combina planejamento, cultura, identidade e inclusão. É isso que transforma a festa em um verdadeiro patrimônio afetivo e artístico do povo gravataense — e de todos que se deixam encantar por ela. A grade de atrações não é montada ao acaso.
A Prefeitura articula sua construção com base nas agendas concorridas de artistas nacionais e regionais, já que o mês de junho é disputado por todo o Nordeste. Mesmo com nomes de peso, Gravatá mantém um compromisso essencial: garantir espaço para os talentos locais. “Fazemos questão de incluir artistas e bandas da cidade em todos os dias da programação. É uma forma de valorizar a nossa produção cultural e mostrar que Gravatá também tem muito a oferecer artisticamente”, afirma o secretário de Turismo, Cultura, Esportes e Lazer, Marllon Lima.
A cada noite de festa, talentos locais sobem ao palco para mostrar que tradição também se faz com sotaque nordestino, com a voz e o suor de quem vive e respira o chão gravataense.
Mais do que celebrar, Gravatá preserva o ciclo junino com elegância, orgulho e afeto. A festa é um grande palco para o forró pé de serra, as quadrilhas matutas, os bacamarteiros, o artesanato e outras expressões que contam a história do povo nordestino sem precisar de tradução.
Em maio, antes mesmo da primeira sanfona soar, a cidade já esquentava o clima junino com o Encontro Estadual de Bacamarteiros — um espetáculo de cores, ritmos e tradição que reuniu mais de 800 participantes. As quadrilhas locais, por exemplo, não apenas encantam os concursos pelo Nordeste como mobilizam mais de 500 dançarinos de todas as idades. É um São João que começa antes de junho e permanece ecoando bem depois. “Gravatá não é apenas cenário. Somos protagonistas na preservação da cultura popular nordestina. Incentivamos as quadrilhas matutas, os bacamarteiros, os artesãos e tantos outros grupos que mantêm viva nossa identidade cultural”, destaca Marllon.
Antes da festa, formação: cultura como projeto de vida
Se o palco é para quem está pronto, Gravatá também prepara seu povo para brilhar. Em parceria com instituições como o Sebrae e o Governo do Estado, a Prefeitura investe fortemente na capacitação de artistas e jovens talentos da cidade. Oficinas de dança, música, teatro, circo, artes plásticas, audiovisual e artesanato já beneficiaram mais de 100 pessoas. “Investir em formação é garantir que a cultura local continue se renovando. Nosso objetivo é dar ferramentas para que os artistas possam viver de sua arte com dignidade”, afirma o secretário.
Entre as ações já realizadas, destacam-se o Programa Pernambuco Artesão, com palestras, oficinas e consultorias criativas; a Oficina Vitrine Digital, que ensina artesãos a venderem no Instagram e WhatsApp; e o curso “Desvendando o Mapa Cultural”, que capacita fazedores de cultura a arem oportunidades via editais.
Num cenário de grandes festivais com viés comercial, Gravatá encontrou um caminho próprio: harmonizar o espetáculo com a alma da cidade. Enquanto as atrações nacionais chamam multidões e movimentam a economia local, o espaço da tradição segue garantido. “Nosso compromisso é promover um São João que respeite as raízes, mas que também seja economicamente sustentável. É possível unir os dois mundos”, afirma Marllon Lima.
No município, artesãos ganham visibilidade e renda com seus produtos, e os grupos da cultura popular — como o bumba meu boi, os cordelistas, as bandas de pífano e o pastoril — seguem firmes no calendário, encantando moradores e turistas com a força de suas raízes. Ali, entre uma sanfona e um poema de cordel, entre o brilho das luzes e o barro do chão, nasce o verdadeiro encanto do São João de Gravatá. Uma festa que canta alto, dança bonito e nunca esquece de onde veio.
Com a terceira maior rede hoteleira de Pernambuco, Gravatá se preparou para operar com 100% de ocupação durante o período junino com ampliação de equipes nos restaurantes, comércio e hotéis. A média de permanência dos turistas é estimada em quatro dias. A expectativa é de que o evento movimente cerca de R$ 300 milhões e gere mais de dez mil empregos diretos e indiretos, além de mais de mil negócios informais, adianta o gestor.
Mais do que reunir grandes artistas nos palcos principais, é um encontro de memórias, de gerações e de sabores. Uma festa que se reinventa sem perder o cheiro da fogueira nem o como do forró. É nesse espírito que o evento chega este ano com novos polos, homenagens comoventes e uma programação que valoriza o que temos de mais precioso: nossa identidade cultural. “Criamos o Polo Alto do Cruzeiro pensando em um espaço onde todas as gerações possam celebrar. Um ambiente com clima familiar, música, arte e uma paisagem que emociona. É um presente para a cidade. A programação também é estendida aos distritos”, explica o secretário.
Entre as atrações do Pátio de Eventos Chucre Mussa Zarzar estão nomes como Limão com Mel, Felipe Amorim, João Gomes, Luan Santana, Ana Castela, Wesley Safadão, Bruno e Marrone, Mari Fernandez, Priscila Senna e Joyce Alane. O violeiro gravataense Heleno de Oliveira será homenageado nesta edição, assim como a quadrilheira Vera da Quadrilha Brega e Chique (in memoriam).
Durante toda a programação, o Mercado Cultural será o coração pulsante do forró pé de serra, com música ao vivo aos sábados e domingos, a partir de 18 de maio. E os distritos de Gravatá, com seus sotaques e tradições, também ganham festas próprias, garantindo que o São João chegue a todos — da zona urbana ao campo.
“Nosso objetivo é democratizar a festa. Cada polo tem sua essência, e juntos eles constroem um São João diverso, democrático e profundamente afetivo. Neste Arraial da Felicidade, o que se vive é muito mais do que um espetáculo: é um mergulho profundo na alma nordestina. Bares, restaurantes e espaços ao ar livre viram redutos de sanfona, zabumba e triângulo, servindo comidas típicas temperadas com o charme das noites juninas. Então, prepare o chapéu, vista a camisa xadrez e venha sentir de perto aquilo que torna o São João de Gravatá tão único: a alegria de um povo que transforma cultura em abraço coletivo porque aqui, em Gravatá, o São João não é só festa. É memória. É identidade. É cultura viva, feita com o coração no como da sanfona”, convida o secretário.
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