Por Angelo Castelo Branco* l2if
O cenário político atual no Brasil revela um quadro preocupante de erosão institucional, crescente polarização e fragilidade na liderança política. A prisão de um humorista por críticas ou ironias dirigidas a figuras do poder, ainda que polêmicas ou de mau gosto, representa uma violação potencial dos princípios democráticos. A liberdade de expressão é um direito fundamental que deve ser preservado com rigor, principalmente quando envolve críticas ao poder.
A reação de figuras tradicionalmente moderadas e institucionais, como o comentarista Merval Pereira, da Globo News e presidente da Academia Brasileira de Letras, reforça a percepção de que houve um abuso. Quando até setores alinhados ao centro institucional reagem com veemência, é porque os limites democráticos foram ultraados. Esse episódio, além de gerar indignação, acaba por fortalecer os opositores do governo e minar a confiança em instituições como o STF.
Leia maisO governo Lula, por sua vez, enfrenta uma deterioração visível em sua imagem pública. A desaprovação que atinge 57% é reflexo de vários fatores: frustrações econômicas, inflação, insegurança, mas também, e principalmente, da maneira como o presidente lida com a oposição e com as críticas. Lula insiste em manter uma retórica de confronto, muitas vezes ríspida e desqualificadora, o que reforça a polarização e amplia o campo de oposição.
Ao invés de buscar o centro político e os moderados, Lula parece falar apenas para sua base fiel, esquecendo que a maioria da população não deseja viver em um clima de embate permanente. Essa postura o transforma, inadvertidamente, em um ativo para os marqueteiros da oposição, que aproveitam cada erro de comunicação como munição política.
A proposta – mesmo que apenas ventilada, mas tida como real nas postagens da internet – de buscar auxílio técnico da China para pensar uma regulamentação das redes sociais, foi talvez uma das mais desastrosas em termos de imagem e simbolismo político. A China é uma ditadura digital, onde o Estado controla rigidamente o que pode ou não ser dito, onde há vigilância em massa e onde críticas ao governo são punidas com severidade.
Ao sugerir a China como referência, o governo brasileiro a uma mensagem profundamente equivocada: a de que estaria mais interessado em controlar a liberdade de expressão do que em proteger a democracia. É claro que o debate sobre regulação das redes é legítimo e necessário, mas ele deve ser feito com base nos parâmetros das democracias liberais – como a União Europeia – e não em regimes autoritários.
Esse tipo de erro revela algo mais profundo: a ausência de estadistas e pensadores liberais que possam orientar o governo e o país para um caminho institucional mais sólido. A política brasileira está órfã de lideranças capazes de pensar além do curto prazo e de dialogar com todas as correntes ideológicas. O debate público foi sequestrado por extremos – de um lado os que enxergam censura em qualquer tentativa de regulação, e de outro, os que relativizam liberdades fundamentais em nome de uma suposta estabilidade institucional. O resultado é um vácuo de racionalidade e de espírito republicano. Pensadores liberais, no sentido clássico do termo – defensores do Estado de Direito, das liberdades civis, da livre iniciativa com responsabilidade social e do equilíbrio entre os poderes – estão ausentes ou silenciados pelo ruído das disputas ideológicas.
Em meio a tudo isso, Lula se transforma em um dos principais cabos eleitorais da oposição. Suas falas intempestivas, decisões controversas e erros de cálculo político têm facilitado o trabalho de seus adversários, que apenas precisam ecoar os equívocos do governo para mobilizar sua base. Se continuar assim, poderá entregar de bandeja as chances de seu grupo disputar as eleições em 2026.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também enfrenta uma crise de legitimidade. A atuação politicamente ativa de alguns de seus ministros, o protagonismo exacerbado em temas que deveriam ser do Legislativo, e decisões que tocam em liberdades individuais de forma questionável, fazem com que o STF seja visto por parte da sociedade como um ator político, e não como um árbitro imparcial da Constituição. Isso é extremamente perigoso para a democracia, pois a autoridade de uma Corte Suprema depende, em grande medida, da sua credibilidade e isenção.
O Brasil, portanto, vive uma crise múltipla: de lideranças, de instituições e de ideias. É um momento que exige mais do que enfrentamentos: exige maturidade, capacidade de diálogo e uma revalorização dos princípios liberais e democráticos. O caminho não está nem na censura, nem na radicalização. Está na reconstrução da confiança institucional, na moderação do discurso político e na valorização de um pensamento que una liberdade com responsabilidade. Sem isso, o país continuará à deriva, refém de extremos e cada vez mais distante de uma solução verdadeira para seus problemas estruturais.
*Jornalista e membro da Academia Pernambucana de Letras
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